Presidente veta regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado

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Cavaco Silva considera que o diploma iria atribuir ao Estado uma função "previdencialista" Daniel Rocha/PÚBLICO (arquivo)

O Presidente da República vetou o diploma que aprova o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas. Para Cavaco Silva, as soluções que o diploma propõe potenciam "consequências financeiras cuja razoabilidade em termos de esforço fiscal é questionável".

Num comunicado divulgado no site da Presidência da República, Cavaco Silva sublinha que o diploma em causa "introduz uma autêntica mudança de paradigma no quadro da responsabilidade extracontratual do Estado", para a qual será necessário "um acréscimo significativo das despesas do Estado, em montantes que não é possível quantificar ou prever". Nesse sentido, o chefe de Estado devolve o diploma ao Parlamento, defendendo que "será da maior conveniência" que os deputados respondam à "repercussão das soluções constantes do diploma".

Cavaco Silva sustenta que "várias soluções do diploma, não só são de molde a produzirem consequências financeiras cuja razoabilidade em termos de esforço fiscal é questionável, como são potencialmente geradoras de uma tal sobrecarga sobre o aparelho judiciário que, provavelmente, se revelará desproporcionada". Mais, o Presidente da República conclui que promulgar este diploma iria atribuir ao Estado "uma função 'previdencialista' dos danos e riscos sociais através de uma expansão excessiva dos pressupostos de responsabilidade das entidades públicas".

Entre as soluções em que considera ser "pertinente uma reponderação", o Presidente da República questiona a responsabilidade civil que o Estado pode vir a assumir "em caso de dolo ou de culpa grave" resultantes do exercício da função administrativa, exemplificando que "quando o Estado for processado por acção ou omissão ilícitas, no exercício da função administrativa, o funcionário ou titular de órgão ver-se-á envolvido no respectivo processo judicial, com todos os encargos e ónus daí decorrentes". Insistindo na protecção do Estado, Cavaco Silva lembra que "os interesses dos particulares já se encontram devidamente protegidos pela resposta solidária a que o Estado está vinculado".

Na sua explicação para o veto, o Presidente da República põe em causa "o princípio geral de responsabilidade do Estado por erro judiciário" que se prevê no diploma aprovado em Assembleia da República. Argumentando que "a previsão de responsabilidade por erro judiciário é feita de um modo de tal forma abrangente que poderá conduzir a essa confusão", Cavaco Silva indica que poderá haver consequências difíceis para situações como "a salvaguarda do princípio da independência dos tribunais".

O chefe de Estado questiona ainda "a clareza da solução acolhida quanto à responsabilidade dos magistrados judiciais e do Ministério Público". Neste ponto, Cavaco Silva aconselha que seja esclarecido que "competirá aos conselhos de disciplina dos magistrados a averiguação prévia da violação concreta dos seus deveres funcionais, para efeitos do apuramento da natureza gravemente culposa ou dolosa da sua conduta".

O Presidente contesta igualmente "a consagração de um instituto de responsabilidade civil extracontratual fundado na omissão de providências legislativas necessárias para dar exequibilidade a actos legislativos de valor reforçado". Quanto a esse instituto jurídico, o chefe de Estado sustenta que "cria situações de grande incerteza jurídica"; "dispensa, sem fundamento razoável, a intervenção do Tribunal Constitucional, como juiz de leis"; e "não define os requisitos geradores de ilicitude decorrente da omissão de providências legislativas que confiram exequibilidade a leis de valor reforçado, daí resultando uma larga margem de casuismo e incerteza que deprecia a liberdade conformadora do legislador".

De "um ponto de vista global", Cavaco Silva considera que "a questão fulcral" que o leva a pedir a reapreciação do diploma é que "o presente regime de responsabilidade extracontratual do Estado reclama um esforço suplementar de reflexão dos deputados quanto aos seus efeitos". Os efeitos que nomeia dão ao nível do "plano da sanidade e equilíbrio das finanças do Estado", das "consequências que se irão verificar no domínio da eficiência do sistema de justiça, num momento em que este se encontra num profundo processo de reforma" e ainda "no tocante ao funcionamento e modernização da Administração Pública, que podem ser seriamente postas em causa por um regime que, querendo estimular a competência e o sentido da responsabilidade, acabe por fomentar a paralisia e a não-decisão".

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