Braço de ferro entre poder e oposição no Irão atinge níveis inéditos

Foto
As imagens que hoje saíram do Irão foram muito poucas, devido às limitações impostas aos jornalistas pelo regime Reuters

O que se passa no Irão?
— A televisão estatal iraniana, contrariando uma interdição do Ministério do Interior, que proibiu os jornalistas de cobrirem “manifestações ilegais”, exibiu ontem imagens dos apoiantes de Mir-Hossein Mousavi em mais um protesto contra os resultados das presidenciais do dia 12.

Cerca de “500 mil” pessoas desfilaram em silêncio, da praça de Haft-e Tir para a de Vali Asr, em Teerão. Muitos faziam o sinal de vitória e alguns erguiam cartazes onde se lia: “A anulação das eleições é um direito nosso” –aparente brincadeira com o slogan de Mahmoud Ahmadinejad “A energia nuclear é um direito nosso”.

— A Assembleia de Peritos do Irão, organismo com o poder de nomear e demitir o Supremo Líder, foi convocada pelo seu presidente, Ali Akbar Hashemi Rafsanjani, para uma “reunião de emergência”. (CNN e The Huffington Post)

— Os comerciantes do bazar de Teerão, que contribuíram para a queda da monarquia Pahlavi quando financiaram a revolução islâmica, planeiam juntar-se aos protestos contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad. (BBC)

— Mohsen Rezai, candidato conservador às presidenciais e discípulo de Khamenei, exigiu que lhe fossem fornecidos, até ao fim do dia de ontem, números precisos dos votos expressos, admitindo que poderá pedir a repetição das eleições. (AFP)

— Agentes das forças especiais têm protegido os apoiantes de Mousavi em confrontos com a milícia Basiji, indiciando divisões no aparelho de segurança. (The Independent).

Mais de 100 por cento

Para hoje, Mousavi convocou um “dia de luto”. Amanhã, aguarda-se com expectativa o sermão do ayatollah Ali Khamenei.


“Nos últimos dias, e em consequência de confrontos violentos e ilícitos com manifestantes que protestavam contra o resultado da eleição presidencial, vários dos nossos compatriotas foram feridos ou martirizados [estão confirmadas 32 mortes]”, escreveu Mousavi no seu website. “Peço às pessoas que expressem a sua solidariedade às famílias, juntando-se nas mesquitas ou participando em manifestações pacíficas. Queremos concretizar o objectivo de anular os resultados. Queremos uma nova eleição presidencial que não repita a vergonhosa fraude da anterior.”

O site centrista iraniano Ayandeh, que se tem mantido neutral na controvérsia eleitoral, informou ontem que, em pelo menos 30 localidades, a afluência às urnas foi de “mais de 100 por cento”. Em Taft, na província de Yazd, a taxa de participação foi de 141 por cento; em Khourang, na província de Chahar Mahaal Bakhtiari, foi de 132 por cento; e em Chadegan, na província de Isfahan, foi de 120.

Embora o regime, enfrentando a maior crise dos últimos 30 anos, dê sinais de pequenas concessões, como a recontagem, não abrandou a campanha de repressão. As detenções já ascendem a umas 500 — jornalistas, intelectuais, políticos, estudantes e até antigos revolucionários. Ontem, foram detidos Saeed Laylaz, director do jornal económico Samayeh, e o sociólogo Hamid Reza Jalaiepour, ambos críticos de Ahmadinejad.

Os protestos e as prisões não se circunscrevem à capital. Registaram-se também nas cidades de Rasht, Oromiyeh, Zanjan, Zahedan, Mashdad e Tabriz. Entre cerca de 100 destacadas personalidades detidas em Tabriz, estão dirigentes do Movimento de Liberdade do Irão, o mais antigo partido político. O líder, Ebrahim Yazdi, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e conselheiro do defunto ayatollah Khomeini, foi levado do hospital para a prisão de Evin, em Teerão. Numa recente entrevista, denunciara “um golpe de Estado”.

“Condeno a prisão dos filhos da revolução”, insurgiu-se Mousavi. “Aviso que a expansão deste método irá revelar a face feia dos

A mão de Rafsanjani

Ahmadinejad acusara publicamente o antigo Presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani de ser o arquitecto da campanha da oposição para o afastar do poder. Mas nada pode fazer contra o homem conhecido entre os iranianos como “tubarão”, “eminência parda” ou “fazedor de reis”.


A notícia da CNN, não confirmada, de que Rafsanjani convocou a Assembleia de Peritos para uma reunião de emergência, mereceu o seguinte comentário do site Huffington Post, alimentado por muitos internautas iranianos: “A própria essência da República Islâmica está agora em causa.” A Assembleia é o único organismo que pode demitir o Supremo Líder e, segundo Simon Tisdall, do Guardian, Rafsanjani tem procurado o apoio de outros mullahs para afastar o homem que ele próprio escolheu, em 1989, para suceder a Khomeini.

Rafsanjani, que não tem sido visto em público desde o dia das eleições, estará na cidade santa de Qom, onde estudou e tem fortes laços com a Associação dos Teólogos Combatentes, que recusou apoiar a candidatura de Ahmadinejad. Procura, aparentemente, garantir votos suficientes entre os 86 membros da Assembleia de Peritos, para afastar Khamenei.

Depois de, ostensivamente, ter dado todo o apoio (dinheiro e conselheiros) à campanha de Mousavi, ao ver reeleito Ahmadinejad, que despreza, o milionário Rafsanjani terá decidido enfrentar o próprio Supremo Líder e não só o Presidente.

Este conflito, disse à BBC Ali Ansari, um dos maiores historiadores do Irão, não é uma tentativa de derrubar o sistema, mas de o mudar. Rafsanjani nunca ocultou o seu desagrado com o modo como Ahmadinejad conduziu as políticas económica e externa nos últimos quatro anos. Quando o rival que o derrotou na segunda volta das presidenciais em 2005 o acusou de corrupção, Rafsanjani escreveu uma duríssima carta a Khamenei, sugerindo que o Supremo Líder foi negligente, parcial e esteve, provavelmente, envolvido na fraude eleitoral.

Se, além dos teólogos de Qom, atrair para o seu lado conservadores como Ali Akbar Velayati, Nateq-Nouri e Ali Larijani, e reformistas como Mohammad Bagher Qalibaf, Mehdi Karroubi e Khatami, o maquiavélico e sobrevivente Rafsanjani terá formado, segundo Tisdall, “uma coligação de elite” que opera dentro da hierarquia e não a partir das ruas. “Não será um movimento democrático, mas seria um punhal no peito de Khamenei.”

Sugerir correcção
Comentar